segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Domínio absoluto do UFC


Esporte ou violência “regularizada”? Como explicar o sucesso absurdamente repentino que esse esporte - como algumas pessoas definem – alcançou em todo o mundo? O que ele pode gerar de valores comportamentais em nossa sociedade?

Combates transformados em verdadeiros espetáculos de luz, som e fúria. O evento UFC (Ultimate Fighting Championship) revolucionou o esporte – como alguns o nomeiam –, que reúne praticantes do MMA (Mixed Martial Arts, traduzindo: Artes Marciais Mistas), e superou, em termos de mídia e apelo social, esportes até então considerados de vanguarda, como é o caso do boxe, por exemplo, que hoje vive um momento descendente. O próprio boxe, por sinal, compõe esse mix ao lado de jiu-jítsu, luta livre olímpica, muay thai, judô, caratê, entre outras artes.

Socos, chutes, pontapés, caneladas, imobilizações e sangue para todo lado. Dois lutadores profissionais. Anos e mais anos de treinos intensos e por vezes desumanos. Um combate, que pode durar de três a cinco rounds, dependendo da importância da luta. Um juiz. Um octógono e milhares de fãs à beira do ringue e milhões acompanhando todo esse “espetáculo” em tempo real nos televisores ou até pela internet.

No Brasil, o cenário é o mesmo. Existe certa idolatria a alguns lutadores, que, por méritos, superaram muitos desafios e alcançaram o sucesso, inclusive mundialmente. Como são os casos dos atuais detentores do cinturão mundial em suas categorias Anderson Silva, Junior Cigano e José Aldo (peso médio, pesado e pena, respectivamente), Lyoto Machida e dos mais experientes – porém, não menos admirados – os gêmeos Rogério Minotouro e Rodrigo Minotauro, Vitor Belfort e Wanderlei Silva. O sucesso dos brasileiros é uma constância no mundo do MMA. Tanto que os dois últimos protagonizam um reality show na TV nacional. Isso alimenta a chama e o envolvimento por parte dos fãs brazucas.

“Os gladiadores do terceiro milênio”, como nomeou, recentemente, o narrador Galvão Bueno durante uma transmissão do evento pela maior emissora do país, estão a postos, prontos para derrubarem o próximo oponente. Por parte deles, disciplina a toda prova. Treinos incessantes, puxados. Extrema dedicação. Cargas elevadas para desenvolver a musculatura de braços, pernas, ombros e de todo o corpo. É preciso muito condicionamento físico para suportar tamanho esforço e pancadaria (parcialmente) liberada. Vale-tudo dentro do ringue de oito lados, intitulado de octógono? Não, quase tudo...

... Diferente do antigo torneio de artes marciais mistas, criado em meados de 1993 pelo brasileiro Rorion Gracie, nos EUA, para comprovar a supremacia do jiu-jitsu, o atual MMA possui 32 regras. Entre elas, a proibição de dar cabeçadas, cotoveladas de cima para baixo e golpear a nuca, seja com as mãos ou com pés.

Os fãs vão de oito a 80. Crianças, pré-adolescentes, jovens adultos e a boa ideia acompanham e escolhem seus lutadores favoritos. Esse cenário acendeu alguns questionamentos perante a sociedade atual. Até que ponto isso pode ser encarado como esporte? Como fazer com que as pessoas não confundam esporte com violência urbana? Há opiniões variadas.

“A violência intervém na postura de qualquer pessoa”
Dra. Rosana Guzman, psicóloga clínica e hospitalar do Hospital Adventista (HASP)

Assistir aos confrontos de artes marciais pode estimular a violência no mundo real?

Em nossa vida, reproduzimos aquilo que aprendemos, e a visão é o sentido responsável por 80% daquilo que chega ao nosso cérebro. Portanto, é de se esperar que ao assistir cenas violentas, tanto de artes marciais, quanto de filmes, apreendamos agressividade. E a tendência humana é reproduzi-la, não necessariamente de forma física, mas talvez de outras formas, como verbal, por exemplo.

Qual o ponto médio para que isso não intervenha na nossa postura?

Algumas pessoas têm mais sensibilidade e estão mais suscetíveis a se tornarem agressivas e violentas do que outras. Isso ocorre em função do seu próprio tipo de personalidade, porém, como á foi mencionado, o contato com a violência acaba intervindo na postura de qualquer pessoa, já que o comportamento agressivo assistido acaba se tornando um modelo. Talvez, a melhor forma de ter equilíbrio, neste caso, seja se abster de assistir tamanha violência.

Como os pais devem agir quando jovens, ainda em formação, começam a confundir as coisas?

Primeiramente, é muito importante os pais darem o exemplo, pois se agirem com agressividade para conter a violência do filho produzirão mais disposição para agredir. É fundamental ter uma conversa franca, explicando as consequências daquilo que é assistido e encontrar novas formas de entretenimento substitutas que sejam agradáveis ao filho.


R$ 1 bilhão: Valorização sem medidas



A maior organização de artes marciais mistas do mundo foi inspirada por torneios de Vale-Tudo e, atualmente, é comandada pela Zuffa Entertainment, empresa formada por três amigos de infância: Dana White (presidente do UFC), Lorenzo e Frank Fertitta.
White, por sua vez, é apontado como o maior responsável pela transformação do Vale-Tudo em MMA, um esporte hoje legalizado por todas as comissões atléticas americanas e internacionais. Ex-empresário do boxe, ele convenceu os amigos de infância, donos da rede de Cassinos Station, a comprarem a empresa UFC, que, na época, passava por um período nada promissor.

Assim, o trio fundou uma empresa chamada Zuffa, e em 2001, comprou o UFC por “míseros” US$ 2 milhões. Após várias mudanças nas regras, eles conseguiram legalizar o esporte em praticamente todos os estados americanos. A partir daí o progresso chegou para ficar. Lutas transformadas em eventos únicos (seja nos EUA ou fora dele), repletos de luz, som e fúria por parte dos lutadores fizeram com que a marca alcançasse o valor de US$ 1 bilhão.


Made in Brazil

O maior evento de MMA da América Latina atende pelo nome de Jungle Fight, organizado pelo ex-lutador de Jiu-jitsu e MMA brasileiro, Wallid Ismail. Criado em 2003, o primeiro evento aconteceu em Manaus (AM). Em 2006, chegou a ter um evento na Eslovênia.

Fonte: Jungle Fight

Cutuca dali, cutuca de lá; Política e discussões

Dando sequência às séries de discussões que o tema abrange, o advogado e deputado federal por São Paulo, José Mentor, do PT, propôs um Projeto de Lei em meados de 2009 proibindo a cobertura do MMA por parte das televisões. Como não poderia deixar de ser, ele tem gerado muita polêmica, ainda mais após a realização do último UFC Brasil, que foi transmitido pela maior rede de TV do país. “Nosso objetivo é proibir o televisionamento de lutas agressivas e brutais que banalizam e propagandeiam a violência pela violência, sem qualquer outra mensagem, pela TV, que é uma concessão estatal”, afirma. “Basta assistir a um único embate para ver a brutalidade e a contundência dos golpes, desde pontapés e joelhadas na cabeça até cotoveladas no rosto, chaves de braço e ‘mata-leões’ (chaves no pescoço)”, completa.

Muitos daqueles que defendem o esporte creem em um provável preconceito por parte dos críticos. Para eles, o risco acompanha a intensidade da prática. Recentemente, o experiente lutador brasileiro Vitor Belfort, ao defender o evento do UFC das críticas, chegou a comparar o MMA a outros esportes para desmistificar a ideia de violência. “O que eu faço não é violento porque tem regra. Pode ser agressivo. Como também é agressivo você pilotar um carro a 300 quilômetros por hora ou andar em cima de uma bicicleta a 100. O futebol é mais violento que o MMA. O futebol americano, o hóquei, o rugby, todos esses são mais violentos. Se você procurar a definição de violência no dicionário, vai ver que é algo como ‘empregar força física contra alguém ou intimidar moralmente com crueldade’. Violência é um ato infringido contra o outro sem regra”, reflete.

A CONTA É CARA... TRAUMAS MAIS COMUNS


Estudo da Universidade Johns Hopkins (EUA), a partir de dados coletados em 171 lutas de MMA

OLHOS 8,3%
A lesão mais frequente é o hematoma, que deixa o olho roxo e inchado

FACE 47,9%
São frequentes as escoriações no rosto, laceração no supercílio e hematomas

MÃOS 13,5%
As luas utilizadas deixam os dedos expostos. Inchaço, luxação e fraturas são comuns

JOELHOS 3,1%
As rotações feitas na hora do chute aumentam as possibilidades de lesões, principalmente ligamento cruzado e menisco

ORELHAS 1%
O contato com o tatame e a pancadas fazem com que a cartilagem tenha seu formato modificado

NARIZ 10,4%
As lesões podem ocorre na cartilagem ou nos ossos. Elas podem gerar sangramento ou até o afundamento do osso, prejudicando, assim, as vias respiratórias

OMBROS E BRAÇOS 8,3%
Quando o lutador é imobilizado por uma chave de braço, ele pode deslocar o ombro ao virar o corpo para tentar se livrar do golpe

Fonte: Revista Veja (Michael Simoni e Moisés Cohen)


Resistência em alguns países


Segundo o Observatório da Imprensa, “em Nova York, desde 1997 são proibidas competições e outras atividades do MMA. Na França, elas também já foram proibidas. No Canadá, em 2010, a associação médica concluiu que o MMA provoca traumas e lesões que podem estar presentes pelo resto da vida do lutador. A entidade sugeriu que o esporte seja banido do Canadá, que é o segundo maior mercado do UFC no mundo. No Brasil, médicos e pesquisadores têm se manifestado contra a prática, apontando riscos tanto de lesões, algumas permanentes, como de morte.”

O projeto de lei 5.534/2009, proposto por Mentor, se encontra na Comissão de Ciência da Câmara, já tendo passado pela de Desporto. De lá, seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça, podendo chegar ao Plenário, se houver recurso. Segundo os defensores, o principal debate proposto é se o MMA será o tipo de atividade que formará, qualificará ou promoverá os valores esportivos e civilizatórios do cidadão brasileiro.

Matéria publicada na edição 45 da Revista Mais Destaque

@Tadeu_Inacio


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